EE-05. A Grande Omissão
A GRANDE COMISSÃO VERSUS A GRANDE OMISSÃO
Este curso estaria incompleto se não incluíssemos um alerta sobre a lamentável condição espiritual em que se encontra a grande maioria das igrejas evangélicas nos dias de hoje, vivendo um pseudo-cristianismo. É evidente a grande diferença entre a Igreja de Atos e a maioria das igrejas atuais. A tabela abaixo mostra o que poderíamos chamar de “A Grande Disparidade”, isto é, o contraste gritante entre as características de um verdadeiro discípulo de Cristo e um típico “adepto religioso” que frequenta as igrejas evangélicas da atualidade.
Adepto religioso |
Discípulo de Cristo |
Pouca abertura; relacionamento reservado |
Transparência; confissão de pecados; “entranháveis afetos e compaixões” |
Cordialidade social |
Genuína preocupação pelos irmãos |
Palavras de amor |
Atos de amor |
Tende sempre a colocar-se em primeiro plano |
Tende sempre a dar preferência aos demais |
Em geral, se ofende quando repreendido; procura justificar-se. |
Em geral aceita repreensões; procura corrigir-se. |
Se é “crente velho”, tende a apoiar-se em artefatos de santidade aparente; considera-se superior aos mais novos. |
Quanto mais tempo tem de evangelho, mais consciente fica de suas limitações e de sua dependência de Deus. |
Busca um Deus que funcione para ele; vive participando de campanhas diversas, pedindo coisas para si mesmo. |
Busca funcionar para Deus; sempre pergunta a si mesmo: “Que mais posso fazer para servir a Deus?” |
Comodismo diante do “status quo”: está acomodado com um evangelho medíocre, e nem se dá conta disso. |
Santa insatisfação com o “status quo”: sente-se indignado com a passividade da Igreja nos dias de hoje. |
Os primeiros discípulos de Cristo viviam em unidade e estreita comunhão, nas casas e no templo, a ponto de terem tudo em comum. A maioria dos nossos irmãos de hoje têm um momento de contato superficial apenas durante os cultos, e passam toda uma vida isolados e voltados para si mesmos. Sob a direção do Espírito Santo e a liderança dos apóstolos, um grupo de apenas cento e vinte discípulos cheios do Espírito Santo (At 1.15, 2.4) difundiram o evangelho a todo o mundo conhecido de sua época e mudaram a história da humanidade. Hoje, milhões de crentes têm um papel irrelevante na sociedade e mal conseguem sobreviver espiritualmente em meio a uma geração pervertida, cada vez mais distante e necessitada de Deus.
Jesus Cristo deu uma ordem clara à sua Igreja, o qual chamamos de a Grande Comissão: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19-20). Mas a maioria das denominações evangélicas parece ter reinterpretado essas palavras da seguinte maneira: “Chamem e esperem, portanto, fazendo convertidos à nossa fé e prática, batizando-os para que se tornem membros contribuintes e frequentadores dos nossos cultos; e então trate de manter esses membros ocupados com diversas atividades religiosas”. Isto constitui a “Grande Omissão”: não ir, não discipular, e não ensinar a obedecer a Cristo e gerar frutos para a glória de Deus. E o fundamento dessa Grande Omissão é um conceito anti-bíblico (para não dizer diabólico) que se infiltrou nas igrejas várias décadas atrás: não considerar o discipulado e a obediência como uma condição para ser cristão. Grande parte dos problemas das igrejas de hoje está no fato de que seus membros simplesmente “aceitaram” Jesus, mas nunca tomaram a decisão de segui-lo e aprender a cada dia com Ele. Aceitar a salvação em Cristo é apresentado como algo obrigatório para entrar no Reino de Deus, mas viver sob o senhorio de Jesus é visto como algo opcional. Assim, o tipo de vida que poderia mudar o destino da humanidade é excluído, ou pelo menos omitido da mensagem essencial da Igreja!
O pastor Aiden W. Tozer (1897-1963) denunciou: “Uma heresia extraordinária se desenvolveu em todos os círculos cristãos: a idéia amplamente aceita de que os seres humanos podem escolher aceitar a Cristo pelo simples fato de precisarem dele como Salvador, e de que têm o direito de adiar a obediência a ele como Senhor pelo tempo que desejarem! Mas a salvação sem obediência é algo desconhecido nas Escrituras.” (citado na ref. [1], pág. 25).
Como se não bastasse a Grande Omissão, ao longo da história da Igreja fomos “contaminados” com duas heranças do catolicismo que nos têm impedido de formar verdadeiros discípulos: o clericalismo e o “templismo”.
O clericalismo separa os fiéis em duas classes: os clérigos, aos quais cabe fazer a obra de Deus, e os leigos, aos quais cabe apenas receber passivamente as ministrações dos clérigos. Mas isto não tem fundamento bíblico algum! Em Atos vemos uma igreja gloriosa, cheia de fervor, onde cada membro era um discípulo, embaixador e ministro de Cristo, produzindo frutos para o Reino de Deus. Por exemplo, vemos em At 8.1 que após a morte de Estevão, quando começou a perseguição sobre a Igreja em Jerusalém, os apóstolos ficaram na cidade, mas os discípulos se espalharam por toda parte, cheios da vida divina pelo Espírito Santo e anunciando naturalmente o evangelho, cumprindo assim o mandamento dado por Jesus em Mt 28.19 e At 1.8. Portanto, os discípulos também estavam preparados e ativamente envolvidos na ministração e expansão do evangelho, sob a liderança dos apóstolos e anciãos das igrejas.
Já o templismo confunde igreja com argamassa. No nosso meio são comuns expressões como “ir à igreja” (significando ir ao templo ou prédio onde se reune a Igreja) ou “abrir uma igreja” (significando alugar um salão ou construir um templo). Também é comum atribuir santidade ao prédio, a ponto de alguns temerem aproximar-se do “altar” e serem fulminados com um raio do céu. Mas falando em termos bíblicos, a Igreja é o Corpo de Cristo, e para isto basta que estejam reunidos dois ou três discípulos, que aí está o Senhor da Igreja (Mt 18.20), independente do lugar onde estejam. Este versículo também não diz que um deles tem que ser um “ungido” ordenado pelos homens, pois cada um de nós é templo do Espirito Santo. Por isso, o autor evangélico John F. Havlik afirma: “A igreja nunca é um lugar, mas sempre um povo; nunca um curral, mas sempre um rebanho; nunca um edifício sagrado, mas sempre a assembléia dos que crêem. A igreja é você que ora, não onde você ora. Uma estrutura de tijolo ou mármore não pode ser igreja mais do que suas roupas de sarja ou cetim não podem ser você”. E o filósofo e teólogo Dallas Willard confirma: “A Igreja não precisa de mais pessoas, mais dinheiro, mais construções, mais programas, mais ensino, e nem mais prestígio. Foi justamente no período em que esses elementos se mostraram escassos ou inexistentes que a Igreja (os discípulos de Jesus reunidos) mais se aproximou de sua verdadeira essência. A única coisa que a Igreja precisa para cumprir os propósitos de Cristo na terra é a qualidade de vida que ela torna real em seus discípulos” [ref. 1, pág. 13]. Se fizermos disso uma realidade (através de ensino, oração, busca espiritual e prática do evangelho) o crescimento, a prosperidade e a relevância social certamente virão como consequência.
Portanto, é vital e urgente que retornemos ao conceito bíblico de Igreja e discipulado. Na época em que Jesus viveu nessa terra como homem, quando alguém escolhia e era aceito por um rabino para tornar-se seu discípulo, tal decisão significava estar disposto a realinhar e dedicar toda a sua vida para aprender com o mestre o tempo todo, até estar apto a pensar e agir como ele. Não deveria ser diferente nos dias de hoje quando alguém decide ser cristão. A Bíblia deixa claro que:
- Fomos comprados pelo sangue de Cristo, e já não pertencemos a nós mesmos, devendo viver para Aquele que nos salvou (1Co 6.19-20; 2Co 5.15).
- Cada um de nós, não importando o título ou o tempo de evangelho, foi chamado para ser um discípulo frutífero de Cristo (Jo 15.1-8; Rm 7.4; Ef 2.10).
Podemos concluir afirmando que a Igreja é um anfiteatro onde só existe palco: ninguém fica na arquibancada, pois todos são atores na obra do evangelho. A única platéia deveria ser a celestial.
Dallas Willard define: “Discípulo de Jesus é aquele que não apenas adota e professa a fé no SENHOR, como também aplica sua compreensão crescente da vida no Reino dos Céus a todos os aspectos de sua vida na terra” [ref. 1, pág. 11].
REFERÊNCIA:
[1] Dallas Willard, “A Grande Omissão – as dramáticas consequências de ser cristão sem se tornar discípulo”, Editora Mundo Cristão, 2008.