1. Personalidade e caráter

Embora personalidade e caráter estejam muito próximos (até nas definições dos dicionários), é importante fazer uma distinção entre os dois termos:

Personalidade é o que determina a individualidade de uma pessoa; aquilo que a distingue das demais. Cada pessoa nasce com uma personalidade única. Podemos  observar isso até entre gêmeos idênticos, que nascem e vivem debaixo do mesmo teto, tendo os mesmos pais e os mesmos hábitos familiares. A personalidade tem a ver com o temperamento pessoal. Por exemplo, uma pessoa é extrovertida e comunicativa, a outra tímida e reservada; uma tem muito senso de humor e todos se divertem com suas tiradas, outra é muito observadora e detalhista. A personalidade também tem a ver com preferências pessoais. Por exemplo: uma pessoa gosta muito de futebol, já a outra prefere a leitura. A personalidade de cada um deve ser respeitada. Não existe “personalidade correta”.

Caráter é a soma de todas as influências positivas ou negativas aprendidas ao longo da vida. O caráter de uma pessoa se manifesta através de três elementos intimamente relacionados, que moldam o seu “ego”: os valores pessoais (princípios de vida nos quais a pessoa crê), o estilo de vida (seus hábitos e prioridades) e a conduta (atitudes e ações que ela toma diante das demais pessoas). Embora não exista personalidade correta, existe, sim, caráter correto, pois os elementos do caráter podem ser julgados à luz da lei moral implantada por Deus na consciência de todo ser humano. Podemos facilmente identificar pessoas “mau caráter” e outras que nos inspiram pela integridade do seu caráter.

Portanto, nascemos com uma personalidade única, e ao longo da vida desenvolvemos nosso caráter. E se a formação do nosso caráter recebeu a influência do sistema mundano, certamente temos deficiências de caráter, quando confrontados com o padrão divino. Tais deficiências devem ser corrigidas, para que possamos ser vasos úteis nas mãos de Deus.

Deus não quer mudar a nossa personalidade. A individualidade de cada salvo vai continuar sendo a mesma lá no céu. Mas Deus está muito interessado em transformar o nosso caráter: Mt 5.8; Gl 4.19; Ef 1.4; 2Tm 3.17; 2Pe 1.3. Também de Rm 8.29 e 1Co 2.16 podemos entender que o propósito eterno de Deus é ter muitos filhos, mas não apenas isso: os filhos foram chamados para serem semelhantes a Seu Cristo. Deus quer filhos que manifestem o caráter de Jesus, que tenham a sua mente (que tenham “sua imagem e semelhança).

2. Caráter e dons

Dons são dádivas de Deus concedida a todos indistintamente, conforme o Seu propósito, independentemente do mérito de quem os recebe. Por isso, a pessoa sábia não vê nos dons que tem nenhum motivo de glória pessoal, pois reconhece que sua capacidade vem de Deus (1Co 4.7).

Os dons podem ser naturais ou espirituais. Os dons naturais são aqueles com os quais nascemos, tais como: inteligência, memória, habilidade musical, capacidade de sobressair em algum esporte, etc. Os dons espirituais nos são concedidos pelo Espírito Santo para crescimento e edificação da Igreja (1Co 12.7-11, 14.5, 12, 26; Ef 4.11-12).

Mas existe uma distorção muito grave no meio da Igreja, especialmente entre os pentecostais, que é supervalorizar os dons em relação ao caráter. O evangelho tem sido escandalizado com frequência diante do mundo por obreiros cheios de talentos e dons, mas desprovidos do caráter de Cristo. E não raras vezes há casos de pessoas que vêm para a igreja, mas logo se afastam ao verem certos crentes  tomarem atitudes que até mesmo as pessoas do mundo reprovam. Por isso, é comum encontrar pessoas “vacinadas” contra o evangelho, as quais têm os crentes em péssimo conceito.

As manifestações dos dons são gloriosas. Eles expressam o poder de Deus e atraem as pessoas. Mas muitas vezes essa atração é motivada por interesses pessoais, para resolver algum problema ou receber uma bênção. Mas quando a bênção é recebida essas pessoas se afastam, se não forem discipuladas. Multidões seguiram Jesus pelos sinais que fazia, mas no final de sua passagem por este mundo, eram poucos os que estavam ao pé da cruz.

Entretanto, a manifestação do caráter de Cristo em nós faz as pessoas desejarem ser como Jesus, e permanecerem no Caminho! Portanto, para que a obra de Deus prospere, é preciso combinar dons (unção) e caráter. Muito caráter sem unção de pouco vale, e muita unção sem caráter é um passaporte para o escândalo. Mas entre dons e caráter, o caráter é o mais importante.

Vemos na Bíblia que os líderes que Deus mais honrou foram aqueles que demonstraram ter um caráter segundo o Seu. Como exemplos: Abraão, ao recusar os despojo da batalha contra os reis; José, ao recusar-se a trair Potifar; Moisés, ao interceder muitas vezes pelo povo rebelde que Deus quis eliminar; Davi, ao recusar-se a matar o rei Saul em duas ocasiões; Daniel, ao decidir não se contaminar na corte pagã em que viveu sua juventude e velhice. João Batista não realizou um milagre sequer, mas em Mt 11.11 Jesus afirmou que jamais houve um ser humano (nascido de mulher) maior do que ele! Portanto, os dons atraem os homens, mas o caráter atrai a atenção e a honra de Deus sobre nós!

Por isso, por mais dons e talentos que tenha um cristão, ele não poderá ser vaso útil na obra de Deus se, em primeiro lugar, não passar pela transformação do seu caráter. Deus não vai enviar ninguém sem antes tratar com o caráter do obreiro. É triste ver pessoas que não se submetem ao tratamento de Deus e, pela carne, se “auto-enviam” para a obra (ou são enviados por decisão de homem), somente para gerar frutos que não permanecem, e com isso colher muitas frustrações.